Cinema Brasileiro: Desafios Culturais e Econômicos

by belisafigueiro

Por Alessandra Meleiro*

Refletir sobre a potencialidade artística e empresarial da cinematografia nacional, bem como sobre a dimensão, também potencial, de seu mercado foi a pretensão do ciclo “Cinema Brasileiro: Desafios Culturais e Econômicos”. As conferências, apresentadas por nomes de inquestionável relevância no panorama nacional e internacional, destinaram-se a explorar como as práticas econômicas e culturais moldam o fluxo, a produção e o consumo de filmes brasileiros

O Ciclo ocorreu juntamente à “Retrospectiva do Cinema Brasileiro”, que trouxe 68 longas-metragens lançados entre novembro de 2007 e novembro de 2008. Destes, 24 foram documentários, revelando um grande aumento da produção deste gênero para lançamento em salas de cinema

O conferencista Marcelo Ikeda mapeou as causas desse fenômeno, sustentando a tese de que a performance dos documentários nacionais lançados tem nítida influência do tipo de distribuição adotado. Se até 2001 praticamente todos os documentários eram lançados pela Riofilme, atualmente o perfil de distribuição é mais diversificado, com a entrada de distribuidoras independentes e de produtoras que ingressaram na distribuição dos seus
próprios filmes.

A exibição digital também é uma realidade que aumenta a possibilidade de um documentário ser lançado comercialmente, ainda que restrito a poucas salas e com apelo comercial sensivelmente mais reduzido em relação aos filmes de ficção.

O apelo comercial dos filmes brasileiros é um ponto delicado, já que a produção nacional encontra grande dificuldade para ser consumida. Em 2008, o cinema nacional não chegou a ocupar 7% da bilheteria, em parte pela existência de um circuito exibidor voltado apenas a um público elitizado, mas também por explicações mais subjetivas sobre a recepção doméstica.

Ainda na mesma linha, questões essenciais, como o que pensa e espera o público nacional de “seu” cinema e que lugar este ocupa em seu imaginário foram formuladas – e respondidas – por Fernando Mascarello.

Carlos Augusto Calil, em sua apresentação, de alguma maneira respondeu a essa inquietação de Mascarello (e nossa) quando reviveu um momento – o ano de 2003 – em que houve grande demanda do público pelo produto brasileiro, e que coincidiu com a entrada da Globofilmes no mercado. Este fato foi determinante para o crescimento do market share do filme brasileiro, que atingiu a expressiva cifra de 22%. Excetuando-se este ano de 2003, no período 1995-2007, o market share da produção nacional esteve em níveis não superiores a 15%, resultado aquém do esperado pelo modelo de incentivo adotado em 1995.

Stephanie Dennison, em suas reflexões sobre a utilidade do conceito de ‘cinema nacional’ no contexto da produção cinematográfica brasileira enfatizou que, para o cineasta, não se trata apenas de expressar-se criativamente através de filmes, mas sim, de participar de um projeto coletivo maior, ou seja, a consolidação do cinema nacional.

A consolidação do cinema nacional está diretamente associada com as diversas políticas públicas voltadas para o setor audiovisual, que foram abordadas em profundidade por Calil, que traçou um histórico da legislação e da intervenção do Estado nos negócios do cinema e a atenção estatal aos aspectos industriais e comerciais da atividade cinematográfica desde a década de vinte.

Uma estratégia, apontada por Kátia Maciel, para o fortalecimento do cinema nacional no mercado brasileiro seria a adoção de interconexões estéticas e industriais entre mídias através de “franchise cross-media”, o que possibilitaria que filmes gerassem produtos associados em diversas plataformas midiáticas, como CDs, DVDs, livros, programas de televisão, páginas na Internet, etc.

Importante citar que, no mês em que se realizou este Ciclo de Conferências, ocorreu o lançamento de uma nova modalidade de investimentos por parte do Estado em toda a cadeia produtiva da atividade audiovisual, o Fundo Setorial do Audiovisual.

Mesmo em meio à atual crise financeira global, o governo apostou no financiamento público para a produção audiovisual acreditando que o setor pode promover a geração de emprego, o crescimento econômico e até exportações de bens e serviços, com efeitos multiplicadores positivos na economia nacional – argumentos também defendidos por Steve Solot.

Com o Fundo Setorial do Audiovisual entra em cena o desempenho comercial das obras audiovisuais, bem como a capacidade gerencial das empresas produtoras. Trata-se de uma mudança de paradigma de financiamento das atividades audiovisuais no Brasil que, em uma análise bastante otimista, poderá levar ao crescimento do mercado e de investimento privado.

Ainda em defesa da consolidação da indústria, Solot apresentou algumas estratégias de co-produção internacional para o desenvolvimento do audiovisual no Brasil, enfatizando ser estratégico que o país passe a ter acesso aos mercados globais.

Para o cinema brasileiro atingir mercados do exterior, conforme afirmou Marco Farani, faz-se necessária uma ação coordenada por parte do Estado, que vá além dos mecanismos atualmente existentes, e da qual o Itamaraty não pode estar ausente. Para ele, o Itamaraty pode e deve impulsionar e apoiar a internacionalização do cinema brasileiro através de uma política diplomática eficaz, o que pode vir a representar importante capital político para o país

Não foi objetivo deste Ciclo de Conferências equacionar todos os desafios enfrentados pela indústria cinematográfica brasileira – tarefa demasiado ampla. No entanto, através de informações e entendimento crítico – e partindo do pressuposto de que os aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais são interdependentes –, esperou-se compreender as mudanças mais significativas da área cinematográfica, apontar tendências para o setor e sugerir caminhos para o futuro.

*Alessandra Meleiro é pós-doutoranda em Film Studies University of London/ Cebrap. Autora do livro “O Novo Cinema Iraniano: uma opção pela intervenção social”, e organizadora da coleção de livros “Cinema no mundo: indústria, política e mercado”, todos lançados pela Editora Escrituras. Presidente Instituto Iniciativa Cultural.

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